sábado, 28 de março de 2015

Agricultura otimizada III.



Agricultura otimizada III.



Primeiro vivíamos de extrativismo de raízes, flores, frutas e frutos silvestres. Com algumas criações de pequenos animais, e pequenos roçados plantados. A água vinha de rios e riachos, grandes e pequenos, permanentes ou temporários; lagoas, barragens e açudes naturais. A chuva tinha um poder de irrigação, sobre matas, florestas, e as pequenas plantações. A cultura indígena nos ensinou a fazer um rodízio nas terras, e nos tipos de plantação.

E eles chegaram com estruturas de concreto e tubos de aço, represando rios e córregos, construindo barragens e açudes, dizendo que assim a vida podia ser melhorada; aceitamos tudo, e não falamos nada. Disseram que com uma plantação extensiva de um produto, aumentariam os lucros, e diminuiriam as perdas.

Depois chegaram oferecendo ajuda e recursos, para construir cisternas e perfurar poços artesianos, como estratégias do combate e convivência com a seca, dizendo que assim a vida poderia melhorar. Novamente aceitamos, assumimos dívidas em bancos, e não falamos nada. E eles novamente voltaram trazendo sementes e fertilizantes; construíram estradas e disseram que assim a vida ia melhorar. Acreditamos na tecnologia e na ciência, acreditamos em suas competências, e não falamos nada. Demos creditos ao conhecimento e assumimos os débitos em bancos e cartórios. Deixamos nossas preces e crenças, acreditamos na ciência oferecida, uma meteorologia e uma climatologia, associadas a uma hidrologia, que gerava conhecimentos na agronomia. Produzimos tudo como fora indicado e ficamos sem nada.

Continuaram oferecendo novos e melhores fertilizantes, para uma terra já fraca, explorada e saturada, e mais as sementes geneticamente modificadas, dizendo serem melhoradas.  Disseram que assim a produção podia ser planificada, aumentada e melhorada. Aceitamos tudo, compramos os insumos, e não falamos nada. Ofereceram diversas gestões: de plantio, de irrigação, de colheita e de qualidade.

Derrubamos matas e florestas para aumentar a área agrícola e plantar sementes importadas. Aramos tudo, semeamos tudo e plantamos de tudo. Plantamos produtos agrícolas para produzir rações para animais. Contamos com chuvas e orações, silenciosos e agradecidos ao céu, mas aos homens de empresas como cientistas, economistas, atravessadores e atacadistas não falamos nada.Trouxeram maquinas agrícolas para uma agricultura mecanizada. Aceitamos, adquirimos as maquinas. Aramos e plantamos sem dizer nada. Ensinaram-nos modelos de plantio e irrigação mecanizada, dizendo ser um novo modelo, uma agricultura com gestão e otimizada. Sempre plantamos para esperar e colher, e nunca falamos nada.

Depois de conhecer as plantas por nomes populares, aprendemos a conhecer e reconhecer seus nomes científicos, seus componentes químicos e nutricionais. Aprendemos a conhecer e selecionar, separar e classificar. Aprendemos a descrever suas formas e tamanhos, suas famílias, suas origens e seus climas ideais. As melhores épocas e regiões de plantio, com modos de semear e replantar, colher e estocar. Seus modos de preparar e de conservar. 

Aprendemos a aproveitar folhas e talos que antes eram descartadas. Seguimos técnicas e recomendações de alimentos, sob um argumento de que a maior parte das propriedades úteis dos alimentos, entre frutas e hortaliças, poderia estar sendo jogada fora, como cascas, folhas e talos. Acatamos seus conhecimentos. Estudamos tudo e não falamos nada. E diante uma prova aplicada, com perguntas e respostas, eles sempre provavam que não sabíamos nada.

Um cozinheiro Frances que viveu no século XIX (Brillat-Savarin, 1755-1826) fez uma previsão que o destino das nações dependeria daquilo, e de como as pessoas se alimentam. Durante anos aceitamos opiniões de como plantar e como colher, usando critérios de fertilizantes e sementes ofertadas. Seguimos a risco uma orientação de cultura pesquisada. E aprendemos a comer talos, folhas, cascas e sementes que antes eram desprezadas. Como também aprendemos a consumir e ingerir, suplementos alimentares sintetizados.

Plantamos com ajuda de santos e das chuvas, em terras sempre despreparadas. Com sementes fracas e ressecadas. Agora eles voltam dizendo como devemos consumir a nossa água; como usar e economizar a água. E agora mesmo com sede e com fome não podemos dizer mais nada. Com tecnologia, com uma agricultura toda mecanizada e conectada, as terras sempre estão despreparadas. Com insumos agrícolas, sementes e adubos importados, até agora apenas plantamos tentando colher os frutos no futuro. Fazemos tudo que nos dizem como fazer, e não podemos falar nada.

Com indústrias agrícolas multinacionais torna-se fácil analisar pelas vendas de sementes e fertilizantes a área plantada, e tipos de culturas que foram preparadas. Com maquinas agrícolas computadorizadas, trabalhando dia e noite, durante as colheitas conectadas à satélites, tona-se fácil avaliar a quantidade coletada e produzida; e a quantidade de colheita armazenada. Com os dados coletados e lançados em computadores, identifica-se onde há fartura de produção e carência de produção. Locais com maiores e menores consumos. Calcula-se a produção, a transformação, o consumo e a armazenagem. Quanto se produziu, e quanto se consumiu; quanto foi importado e o quanto foi exportado. Fatos importantes para serem utilizados em bolsas de mercadorias com cotações internacionais. 

Quem controla os satélites, controla insumos e controla as maquinas. Sabe de tudo e nós não sabemos nada. Eles controlam tudo e nós não controlamos nada. Exigem produção com qualidades e quantidades, por eles determinadas. Exigem o melhor, para dentre as melhores produções, a melhor parte ser exportada. Exportamos tudo de bom e de melhor, e ficamos sem nada.

Natal/RN em 28/03/15

Textos disponível em:


Textos anteriores

Agricultura otimizada I.

Agricultura otimizada II.